segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Dia dos pais

 Ontem, dia 11/08/2024 foi dia dos pais. Foi um dia de muita refelexão pra mim, que se exarcebou com o acidente da voepass, que também me agitou muito em mente e coração. 

Talvez o último dia dos pais que tive com o meu foi em 2004, 20 anos que não passo essa data com meu pai. E tantas outras, aniversário, natal, ano novo. Há 7 anos não o vejo pessoalmente , não dou um abraço. A minha consciencia de filha ( não só em relação a ele mas a toda minha familia distante), dia a dia vem pesando. E muito. Deixei me envolver nas correrias do dia a dia. As sabotagens de não dá pra sair, não tem como em tal data, não tenho dinheiro, e assim vai. E a vida vai passando. 

Foi do meu pai que herdei a alma musical. Acha incrível que ele até tinha carteira de musico. Com ele aprendi a cantar e me inspirar a tocar vioolão. Tocava para que eu cantasse as musicas do balão mágico e me fez amar Roberto Carlos. E é em alguns momentos que acho que, eu ter me distanciado da música, seja porque eu me conectaria a este tempo e doiria mais. A pouco voltei a me conectar e a minha suspeita se afirmou...a alma começou clamar por voltar ao ninho. Uma necessidade cada vez maior de estar próxima aos meus.

Do meu pai também herdei o amor pelos animais e com isso querer ser veterinária sem nem pensar em outra coisa.

Mas o voar pra longe do ninho tem tornado meus dias cada vez mais dolorosos.

Vivo como se meu pai, minha mãe, meu irmão e minha familia fosse eternos  e eu também. E ai foi que veio a reflexão avassaladora do acidente da voepass. Tantos videos dos passageiros de antes de entrarem no voo, mensagens de voz, fotos. Filhos, pais, maes, amigos enfim,todos felizes, e ninguem sabia que partiriam logo depois. Então vivo me privando de estar com os meus, por medos, compromissos, dinheiro. Deixo de viver abraçando aqueles do qual sou parte. E o tempo não volta. Não voltará. E ai vem:E como vou fazer? 

Diariamente devemos pesar na balança : o que é mais importante pra mim? O que fará diferença pra mim : uma entrega absurda a minha profissão, me impedindo de estar com os meus ou estar com os meus e se sentir completa.?

É Fernanda, acho que deveria repensar seriamente sobre isso.

Pai..Te amo. Obrigada por tudo sempre. 


sábado, 20 de julho de 2024

Quando operei meu joelho....mas não é exatamente sobre isso.

Vou começar contando uma historia que aconteceu comigo. Joguei handebol durante toda minha adolescencia. Sempre fui muito apaixonada por esse esporte. Em 1999, durante uma partida, fiz o gol mais bonito da minha vida, mas cai e rompi os ligamentos do joelho esquerdo. Fui pro banco, coloquei gelo e tentei voltar. Não rolou, meu joelho a cada esforço pra correr saia do lugar. Até então não estava levando a serio a lesão. Ao voltar pra casa, fui nos famosos "arrumador de ossos", ele puxou meu joelho pra lá e pra cá e eu quase morri. Mas depois que desinchou vida que segue. Achei que estava boa. Algumas vezes joguei sem problemas e em outras meu joelho teimava em sair do lugar. E eu teimava tentar jogar. Um dia estava sentada no chão fui levantar e meu joelho novamente saiu, só que dessa vez eu não conseguia mais esticar minha perna. Fui finalmente ao médico, 2 anos após a lesão primária . O diagnostico doi ruptura de ligamento cruzado posterior e menisco. Resumo: cirurgia. Entrei na sala cirurgica sozinha, queria minha mãe e comecei chorar achando que ia morrer. Mas tudo correu bem e após alguns dias fui pra casa. Após seguiu-se a adpatação, sessões de fisioterapia e 3 meses de muleta. Quando tirei a muleta achei que ja poderia andar kms. Na epoca estava na faculdade e quando tive alta das muletas resolvi caminhar até o mercado que era há uns 2 km de distancia. Resumo; quase não consegui voltar pra casa. Tentei voltar jogar mas percebi que não conseguiria jogar da mesma forma de antes da lesão . Eu tinha medo de que acontecesse de novo, meu fisico já não era o mesmo e, se eu quisesse jogar deveria aceitar que aquela Fernanda que lesionou o joelho aos 18 anos, não voltaria mais. 
Eu tenho burnout. Nossa Fernanda, o que tem haver seu joelho e o burnout. Calma que vocês irão entender. Mas no final.
Desde 2011, venho sofrendo com crises de fadiga por compaixão culminando com Burnout. Na época em que não se falava sobre isso, pelo menos não nesse termo. Era depressão e transtorno de ansiedade. A primeira vez que li sobre, foi num livro do professor Rodrigo Rabelo de emêrgencia, mas li e passou. Fui saber exatamente o que era durante o curso de medicina veterinária sistemica onde encontrei vários colegas que ou eram sobreviventes do Burnout, ou abandonaram o barco. Mas todos com mesmo objetivo: recalcular a rota dentro da medicina veterinária.
Quantas vezes ouvi frases como: "Nossa mas numa profissão tão linda, como veterinário pode ter Burnout? "Mas você não deve ter não, quem tem não consegue continuar na profissão e abandona"
"Deve ser que você precisa de férias, tira uma semaninha logo você volta a ficar bem " "A mas então você não gosta do que faz"
Mas sempre é dificil  falar, mas principalmente expor nossa vulnerabilidade. Varios pensamentos rondam como : não posso mostrar a minha fragilidade, e o que os clientes vão achar ? Será que continuarão confiando em mim? Eu não posso me mostrar fraca. Preciso sustentar. Não posso parar. Vai dar certo. E ai se veste da armadura, entra no automático e não acessa a dor. É uma ótima tática (contém ironia). Você se anestesia, se trata, acha que esta tudo normal, segue a vida e tenta se manter como a mesma profissional do inicio. Virando noites, ligada 24 horas por dia no telefone , pois vai que alguem precisa de atendimento. Quer  abraçar o mundo, dar conta de tudo até que você cai e sente uma dor absurda muito maior do que o ligamento do joelho se rompendo. 
Então quer dizer que eu não amo mais minha profissão? Não, não é isso. Muito pelo contrário. Quem tem burnout é uma pessoa que ama o que faz e não consegue impor limites tanto em relação aos outros quanto a si mesmo. Inclusive a si mesmo é a pior parte. Como conseguimos ser tão cruéis com nós mesmos. E como somos. Queremos saber tudo, salvar todos os pacientes (é que não nos contaram na faculdade que eles, infelizmente a morte faz parte da vida) e, quando algo sai do eixo nos culpamos por dias a fio. Saimos da faculdade sem saber como se comunicar com tutores, como agir quando um paciente tem uma doença grave ou acaba partindo. E ai a gente quer pegar a dor do outro. A gente quer rebobinar a fita. Mas não dá. E ai vamos colecionando armaduras, e a cada dia a gente coloca uma. Até a próxima crise. 
Na primeira crise em 2011 tive uma sequela que me acompanha até hoje: não consigo falar ao telefone, não atendo a não ser que seja minha familia ou conhecido.  Gente, desculpa. Mas foi traumatizante. Então toda vez que eu tenho que atender telefone eu tenho taquicardia, falta de ar e suor frio. É muito dificil pra mim. MInha segunda grande crise foi em 2014. Vinha de 2 anos frenéticos me achando a super que daria conta de virar 3 dias sem dormir nem 4 horas. Quantas vezes nesse ano eu ficava na clinica a noite e deitava em cima dos colchonetes, perto da internação pra ouvir meus pacientes e, cada pouco eu ia ver como estavam.  Queria atender tudo e todos. Ai o oraganismo começou a pedir a conta. E então veio a gravidez da Luísa, que me fez desacelerar ( um  pouco, pois na verdade só parei depois que ela nasceu). Um mês depois que Luísa nasceu eu ja estava no centro cirurgico e fazendo alguns atendimentos. Novamente anestesiei, consegui até ficar sem medicação e vida segue. Em 2017 nova crise, por vezes antes de entrar no consultorio sentava no chão e me abraçava. Respirava, e ia. Quantas vezes, quantas. Um dia surtei na internação. Na verdade desabei no choro igual uma criança. Pensei que não conseguiria mais. Terapia, medicamentos, auto anestesia e seguimos achando que tudo ok. Final de 2020 e 2021, nova crise extremante forte. Não conseguia entrar no consultório, queria só atender na internação, não conseguia interagir com as pessoas sem estar tremendo e com taquicardia. Eu não me achava suficiente e temia as pessoas perceberem a minha vulnerabilidade naquele momento. Sim eu tinha medo de mostrar que eu era vulnerável.  Agora mesmo ,escrevendo essas linhas, meu coração esta acelerado e minhas mãos geladas, pois estou encontrando com minhas dores e expondo elas. Na crise de 2021 eu estava gestante da Lis. Lis nasceu prematura e esse periodo foi  de maior medo, mas foiuma escola. Lembro que, nas semana que ela nasceu, passei por vários estresses na clinica (estou sentindo a sensação de tudo nesse momento), lembro que eu estava muito cansada, chorava demais. Mas continuava. ATé que a vida  falou, beleza você ainda não entendeu o que é para parar é?, vamos pra escola da vida. LIs nasce prematura, fica na utin por 15 dias. Ela nasceu e não veio pros meus braços. Eu ficava os dias sentada ao lado da incubadora. Naquele momento eu precisei estar presente. Não queria saber se a clinica estava fechada ou aberta. Foi desesperador ter a sensação de que poderia perder ela. Ai entendi que desacelerar é necessário e que a gente tem que se colocar como prioridade em alguns momentos. A passagem pela utin foi uma verdadeira escola pessoal e inclusive profissional. Sou muito grata aos profissionais maravilhosos que fizeram parte desse momento. Era pra ter entendido né ? Momentanamente, por alguns meses deu certo.
Me enchi de cursos nos últimos anos, fiz especialização, aperfeiçoamento, cursos rápidos, numa Ânsia absurda de saber para ser o melhor para meus pacientes. A busca por uma perfeição que inexiste. É impossível. No fim eu estava entrando em curto e alguns cursos acabei nem terminando. Era uma compulsão por cursos, pois eu não me achava suficiente, eu teria que ser mais, para melhorar de todas as formas a vida dos meus pacientes.
Hoje me encontro mais uma vez com meu amigo Burnout. Talvez me encontre na pior crise, desde 2011. Do final de 2023 para cá ela foi chegando devagar mas se agigantou de uma forma que, dessa vez, eu pensei em abandonar a profissão, pensei em acabar com tudo. Tem horas que a dor no peito se agiganta de uma forma tão grande que você só quer sufocar tudo isso. Num das crises de pânico que tive, eu segurava meu dedo para me acalmar assim como uma criança pega na mão da sua mãe quando esta com medo. 
Nossa mas você é dona da clinica poderia descansar. Talvez  essa posição seja o pior. Eu sou minha pior carrasca. Não me permito sair, não me permito não estar. Mesmo não estando em corpo estou com a cabeça 24 horas lá. Um senso de responsabiliade por vezes doentio e absurdo. E quando todos saem e você que sobra. Todos que trabalham com você podem sair, faltar e você tem que estar lá. Li uma frase esses dias que dizia: "jesus falou para amar nossos inimigos, foi ai que comecei a amar a mim mesmo". Vivo a minha rotina de forma intensa, me cobro de uma forma cruel, quero dar toda minha vida, pois sim eu amo muito o que faço. Mas mais uma vez toquei o fundo do poço e estou tentando subir. POr vezes gritei pelo colo da minha mãe sem ela saber. POr vezes abracei nosso mascote Chico, buscando sentir amor, sem ninguem ver. Por vezes tranquei a porta e chorei em silencio para ninguem ouvir. Por vezes, antes de dar a noticia ruim para uma família, eu me culpei pelo que eu não tinha culpa, imaginei ser apedrejada. Mas seguimos com muita dor em muitos dias. Dores que somatizam no corpo. Resolvi abrir meu coração, ainda receosa frente a julgamentos, mas sabendo que alguem pode estar passando por isso, seja veterinário ou não. Resolvi mostrar a minha vulnerabilidade, meus medos., que sou humana, que não sou uma super heroina e que eu sangro..mas também deixar bem claro como amo o que faço, como amo cuidar dos meus pacientes e suas familias. Sou grata a todas as familias que passam por mim e pelas grandes amizades que construi. 
Que fique claro que isso não é um momento de vitimização, mas um desabafo que pode conectar com outras dores e que todos podemos nos apoiar e sair desse momento muito mais forte do que entramos. 
E ai , para terminar, vem a lição do meu joelho machucado. Na primeira vez que você passa pelo Burnout, você acha que não era nada e que vai dar pra entrar no jogo e fazer tudo como era antes ou até mais. Mas ai você vai forçando, estrapolando e ai como com meu joelho, suas emoções e sua alma precisam ir para o centro cirurgico. Ai você se reabilita e pensa vou voltar de onde parei, mais não dá. POrque ainda dói, da medo. Então qual a solução? Saber que não tem como você ser a mesma pessoa/profissional de antes. Isso não quer dizer que precise abandonar, ainda mais quando se ama o que faz. Mas inves de abandonar descobrir uma nova versão. Ser o que é possivel ser, respeitar seus limites e ser sua nova versão. 
Em busca da nova versão, agradecendo inclusive pela crise que me fez repensar a recalcular minha rota e a todos os profissionais que me acompanham e aos ombros que me ajudam a levantar, sigo uma passo de cada vez, até toda essa tempestade passar. 
Gratidão Universo...eu consegui escrever e liberar tudo que eu precisava.